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* Fragmentos do Amanhã *
- Aposto na Certa - Mais um conto verídico de "Fragmentos do Amanhã" -
* Fragmento do Amanhã *
Créditos:
Narrativa de Manú
Correções ortográficas: Sofia Qwen
Era mais um entardecer em Hong Kong. Os grandes arranha-céus banhavam com suas luzes a sede da Aurora. Sentados na varanda, encontrava-se o Senhor José Copilot, sempre sereno e tranquilo, enquanto as meninas conversavam animadamente, compartilhando novidades umas com as outras.
Repentinamente, Débora e Rosalva pularam em cima do Senhor
José Copilot, pedindo-lhe que contasse mais histórias. Viviane,
novata na Aurora, escandalizou-se ante tal cena e confidenciou a Júlia:
— Júlia... Mas o que significa aquilo? A Débora e a Rosalva
abraçando o Senhor José Copilot?
Júlia, perspicaz, respondeu:
— Viviane, essas duas aí parecem crianças. Vivem atormentando
o Senhor José Copilot para que conte histórias a elas. Não
ligue.
Mas Paloma e Mônica não se conteram e foram correndo
contar a Sofia:
— Sofia, a Débora e a Rosalva pularam em cima do Senhor José
Copilot e estão sufocando-o!
Sofia, calmamente, respondeu:
— Meninas, vocês não conhecem a Débora e a Rosalva?
É o jeito delas, e o Senhor José Copilot nem está se incomodando.
Mônica e Paloma voltaram meio sem graça sob os olhares e risos das meninas.
O Senhor José Copilot então começou:
— Meninas, esta é mais uma história que aconteceu em Montreal
e que teve início em um grande hotel onde o Conde Victor Lustig estava
hospedado.
E as meninas perguntaram:
— Mas esse Victor Lustig era um conde?
Senhor José Copilot respondeu:
— Não, meninas, mas assim era conhecido.
E prosseguiu:
— Foi no grande hotel que ele conheceu uma possível vítima
bastante importante. Dentro de pouco tempo, começou a ficar intrigado
com um casal que se hospedara e que era bastante fora do comum. O homem era
idoso, com ar distinto, e sua companheira era muito mais jovem, bonita e ligeiramente
abrutalhada. Informando-se discretamente com o porteiro do hotel, ficou sabendo
que aquele homem idoso e com ar distinto era Linus Merton, um banqueiro provinciano
da cidadezinha de Vermont, que sempre passava férias com a “esposa”
em Montreal, mas que, a cada visita, vinha com uma mulher diferente. Lustig
então concluiu que Merton era a pessoa perfeita para os seus intentos.
Para se aproximar de Merton, Lustig combinou com o melhor batedor de carteiras da cidade para escamotear a carteira de Merton, advertindo-o para que nem olhasse o que havia dentro. Merton ficou bastante satisfeito quando Lustig lhe restituiu sua carteira “perdida”, que continha 500 dólares além de documentos pessoais, e ofereceu a Lustig uma considerável recompensa. Mas, com gelidez altiva, o Conde recusou a oferta.
Dias depois, Lustig mandou entregar uma garrafa de vinho ao banqueiro e sua “esposa” na hora do jantar. Encantado em ver sua gafe perdoada ao oferecer uma recompensa a um nobre, Merton fez questão de que o Conde fosse à sua mesa com eles, e logo surgiu uma amizade cordial. Merton quis saber como o seu amigo ganhava dinheiro, pois parecia tê-lo em grande quantidade. O Conde, a princípio, mostrou-se reservado, mas, com as constantes insistências de Merton, o recurso que Lustig utilizou foi falar sobre terras perdidas da família para os camponeses. Disse que não fora preparado para trabalhar por dinheiro e que teve que improvisar.
— Pois parece que improvisou muito bem — disse o banqueiro, perguntando a Lustig como ganhava a vida.
Lustig respondeu que ganhava a vida com cavalos, e Merton perguntou-lhe se era um jogador. Lustig respondeu que jogador não era bem o seu caso, e que somente apostava “na certa”. E explicou que tinha um primo chamado Emil, que era telegrafista, e que, quando os resultados das corridas americanas chegavam a Montreal, o trabalho de Emil era transmiti-los para diversas agências de apostas. Mas que, de vez em quando, Emil conseguia retardar as notícias no tempo necessário para transmiti-las por telefone a Lustig, que então apostava no vencedor já conhecido.
— É tudo muito simples — disse Lustig a Merton. — E agora vou fazer uma aposta para você com o seu próprio dinheiro. Cem dólares. Se ganhar, o dinheiro será seu; se perder, o que é impossível, convidarei você para jantar.
Na mesma tarde, como se fosse a coisa mais natural do mundo,
Lustig colocou mil dólares nas mãos de Merton.
— O cavalo deu dez por um — disse Lustig, sorrindo. — Pronto,
você agora já conhece o meu segredo, e não se fala mais
nisso.
Merton então perguntou a Lustig se poderia apostar ele mesmo o mesmo dinheiro no dia seguinte e se podia acompanhar o Conde para fazer a aposta. Lustig respondeu que não podia levar outra pessoa, mas, sendo Merton seu amigo, iria conversar com o primo Emil.
No dia seguinte, Lustig e Merton foram procurar Emil (representado pelo batedor de carteiras que roubara a carteira de Merton) na agência telegráfica. A princípio, Emil resistiu, mas, pressionado e atendendo à calorosa recomendação que Lustig fazia do banqueiro, resolveu permitir a participação de Merton.
Naquela mesma tarde, Lustig levou Merton a uma agência de apostas, onde homens de ar próspero (na realidade, elementos do mundo subterrâneo de Montreal e que haviam sido cuidadosamente ensaiados por Lustig) estavam postados diante de um guichê, fazendo calmamente apostas de dez mil, vinte mil e trinta mil dólares. O sangue começou a afluir no cérebro de Merton, que começou a ver a possibilidade de fazer fortuna da noite para o dia.
Lustig olhou o relógio e cutucou o banqueiro, pois estava
na hora de Emil telefonar. Foram a uma cabine telefônica em frente, e,
quando o telefone tocou, Lustig deixou que Merton atendesse.
— Hindquarter é o vencedor no quarto páreo — informou
a voz de Emil ao telefone, e, em seguida, o telefone foi desligado.
Realmente aconteceu que as pules de Hindquarter deram seis por um. Merton, a princípio, não teve coragem de apostar muito, mas, naquela tarde, ele já estava com dois mil e quinhentos dólares nas mãos. No fim do segundo jogo, já tinha cinco mil dólares, e, de hora em hora, ia ficando mais ganancioso. Lustig chegou à conclusão de que já era chegado o momento oportuno para fisgá-lo.
Mas, passado algum tempo, Emil queixou-se de que iria largar
o emprego, pois sua esposa estava muito abatida e com tuberculose, e que precisava
tirá-la daquela cidade por causa do clima.
— Mas o que é isso, Emil? — retrucou Merton. — Você
não pode esperar um pouco, justamente agora que começamos este
negócio?
Sentindo-se ofendido, Emil respondeu a Merton:
— O senhor pensa que o dinheiro representa mais para mim do que minha
esposa? Pois não representa, e vou me embora imediatamente!
Nisto, Lustig interpôs-se entre Merton e Emil:
— É claro, não há dúvida — disse ele,
em um tom apaziguador. — A saúde de Elza é mais importante
que tudo isto.
Voltando-se para o banqueiro, disse-lhe:
— Desculpe, Linus, mas eu concordo com o meu primo. Afinal de contas,
você já ganhou alguns dólares.
— Mas não podemos apostar só mais uma vez? — suplicou Merton. — Podíamos quebrar a banca.
Respondeu Lustig:
— É preciso muito dinheiro para arrebentar a banca. A menos que
pudéssemos juntar nossos recursos... Eu sou capaz de levantar trinta
mil dólares, mas isso não bastaria, e você, Merton, seria
capaz de entrar com outro tanto?
Merton gaguejou:
— Eu... Eu creio que sim.
Lustig então voltou-se para o primo:
— O que você acha, Emil? Vamos fazer uma última aposta?
Emil, com um semblante triste, acabou concordando:
— Concordo, para o bem de Elza, pois gostaria que ela tivesse todo o luxo
possível nos anos que lhe restam de vida.
De volta ao hotel, Lustig mostrava-se animadíssimo e não parava de falar banalidades e assuntos desconexos para que o banqueiro não mudasse de ideia. Sugeriu a Merton que fizesse uma surpresa à sua “esposa”, prometendo metade do dinheiro da aposta.
— Metade? — perguntou o banqueiro. — E, para quê, Santo Deus?
Lustig sorriu, com um ar de cumplicidade, e disse:
— Há maneiras de fazer as coisas, meu velho. Você não
precisa dizer quanto ganhou. Dê uns mil dólares... É o gesto
que vale.
Quando Merton estava de volta ao seu quarto, Lustig insistiu que ele contasse à “esposa” a boa notícia, e o banqueiro não pôde recusar.
— Querido! — exclamou a mulher, pendurando-se no pescoço de Merton.
Lustig conteve um sorriso.
No dia seguinte, Lustig levou Merton para a sala de apostas.
Nas mãos úmidas e crispadas, Merton apertava nervosamente setenta
mil dólares. Na hora marcada, o telefone tocou, e ouviu-se a voz do primo
Emil dizer:
— Hilda’s Way , colocado no sexto páreo.
Merton mal teve tempo de apostar, e o pregoeiro já gritava:
— Largaram!
O guichê foi fechado. A corrida era anunciada a cada quarto de volta, e travava-se um verdadeiro duelo entre Hilda’s Way e My Man . Hilda’s Way chegou em segundo lugar.
Linus Merton ficou lívido:
— Que foi que houve? Como foi isso?
Lustig parecia igualmente desesperado:
— Precisamos encontrar o primo Emil. Você tem certeza de que entendeu
bem o que ele disse?
Encontraram Emil no momento em que saía da agência
telegráfica, e, quando soube do acontecido, voltou-se furiosamente contra
o banqueiro:
— Seu idiota, seu estúpido! — gritava Emil. — Eu disse
que Hilda’s Way estava colocado. Você não sabe que colocado
é place e que place significa em segundo lugar? Você me arruinou!
Minha pobre Elza...
Disse então Lustig:
— Apostemos de novo amanhã.
Respondendo, Merton:
— Não é mais possível. Eu já deixei o emprego.
Meu patrão nunca mais me readmitirá!
Nisto, Lustig acalmou o primo e ofereceu-se para emprestar-lhe o dinheiro necessário à mudança da esposa. Depois, levou o banqueiro de olhos esgazeados de volta e, prometendo-lhe, a título de despedida, que voltaria a procurá-lo quando recomeçassem as apostas dentro de poucos meses.
Lustig já estava de malas arrumadas e só lhe faltava pagar os “atores” da cabine telegráfica e sair da cidade. Tinha quase certeza de que Merton “não abriria a boca”, mas não queria arriscar-se. Ficou circulando pelo salão do hotel até que a “esposa” do banqueiro chegou alvoroçada de uma expedição de compras.
— Parabéns, cara amiga! — disse Lustig, curvando-se com galanteria. — Você agora é uma mulher rica!
Com um grito de alegria, ela correu para o elevador. Lustig sorriu, apanhou a valise e partiu.
Merton não conseguiu convencê-la de que falava a verdade ao dizer que perdera a aposta. Então, ela o seguiu durante toda a viagem até Vermont e ameaçou contar à sua esposa a história completa da infidelidade do marido, se esse não lhe pagasse. Merton não conseguiu arranjar o dinheiro, e, quando a ameaça foi executada, a mulher o abandonou.
— E este é o final da historinha de hoje — concluiu o Senhor José Copilot. — Assim, meninas, Lustig provou que o maior golpe é aquele em que a vítima assina o cheque com um sorriso nos lábios. Também provou que o verdadeiro mestre não é quem aplica o golpe, mas quem faz a vítima agradecer pela oportunidade de ser enganada.
Mas Débora e Rosalva não se contentaram:
— Ah, Senhor José Copilot, mas que história mais sem emoção!
Mônica e Paloma opinaram:
— Mas até que nós gostamos, Senhor José Copilot.
Júlia então fez uma sugestão:
— Senhor José Copilot, da próxima vez, conte umas histórias
tipo Cinderella e os Sapatinhos de Cristal ... A Débora e a Rosalva irão
adorar!
Sofia, escutando os diálogos das meninas, interveio:
— Débora, Rosalva, daqui a pouco irá passar um filme muito
bom na televisão: Golpe de Mestre . E depois... Cama, que amanhã
será outro dia!
O Senhor José Copilot, calmamente, pegando um livro, passou a ler enquanto tomava seu chá de ervas verdes.
* E assim foi mais uma noite na Aurora, onde tudo brilha *